Brasil e o novo mapa global da energia: oportunidades e riscos
- Energy Channel United States

- 30 de jun.
- 6 min de leitura
Por Laís Víctor – Diretora Executiva de Parcerias e Especialista em Energia
A nova ordem energética global está sendo moldada por uma convergência sem precedentes entre soberania energética, competitividade industrial e descarbonização.

O mundo não assiste apenas à substituição de fontes de energia, mas a uma profunda reconfiguração dos fluxos de poder, investimentos e cadeias produtivas. Trata-se de uma transição que está redefinindo a arquitetura da influência global e criando polos de poder baseados não apenas em reservas de combustíveis fósseis, mas na capacidade de produzir, armazenar e exportar energia limpa de forma confiável e escalável.
Estamos diante de uma disputa por protagonismo tecnológico, diplomático e logístico que ultrapassa a lógica tradicional dos mercados energéticos. Países que dominarem a produção e exportação de fontes renováveis, como solar, eólica, biomassa e hidrogênio verde, estarão não apenas na vanguarda da transição, mas no centro das decisões geopolíticas, atraindo investimentos, estabelecendo padrões regulatórios e influenciando cadeias globais de valor.
Com isso, mais do que acompanhar essa transformação, é importante liderá-la com visão estratégica, planejamento integrado e capacidade institucional robusta.

A posição estratégica do Brasil
O Brasil ocupa uma posição singular nesse tabuleiro energético global. Com uma matriz energética já predominantemente renovável, uma das mais limpas entre as grandes economias, aliada à abundância de recursos naturais como sol, vento, água e biomassa, o país reúne atributos incomuns. Além disso, possui tradição em planejamento energético de longo prazo e instituições consolidadas no setor, o que confere previsibilidade técnica mesmo em cenários de instabilidade.
Acompanhando de perto o posicionamento do Brasil no cenário internacional, e reforço que o país também detém um ativo geoestratégico pouco explorado: sua localização privilegiada o torna um elo natural entre os mercados do Atlântico e do Pacífico, podendo atuar como hub logístico de exportação de energia, seja na forma de hidrogênio verde, biocombustíveis ou mesmo energia embarcada via cabos submarinos no médio prazo. A crescente demanda por fontes limpas e rastreáveis, especialmente por parte da Europa e da Ásia, amplia as possibilidades de integração do Brasil em cadeias de valor descarbonizadas.
Somado a isso, a crescente demanda interna por eletricidade limpa e a reindustrialização verde impulsionam um mercado doméstico sólido, que pode atrair investimentos industriais em equipamentos, semicondutores, fertilizantes verdes e outros elos da cadeia energética. Nesse cenário, o Brasil não é apenas um fornecedor de energia é um possível articulador de novos arranjos produtivos e comerciais sustentáveis.
Riscos que limitam o protagonismo
Apesar das vantagens naturais e estruturais, a consolidação do protagonismo energético do Brasil esbarra em entraves recorrentes que comprometem sua capacidade de atrair investimentos estratégicos e ampliar sua inserção global com competitividade.
A instabilidade regulatória e a insegurança jurídica continuam sendo os principais fatores de aversão ao risco para investidores de longo prazo. Mudanças abruptas em regras de leilões, subsídios, licenciamento e tributação corroem a confiança do mercado e elevam o custo de capital.
A infraestrutura nacional ainda apresenta gargalos significativos, sobretudo nos sistemas de transmissão e logística de exportação. Projetos de grande escala ficam vulneráveis a atrasos e perdas econômicas quando não há sincronia entre geração e escoamento energético.
A burocracia associada ao licenciamento ambiental, embora necessária para garantir sustentabilidade, carece de previsibilidade e celeridade. A ausência de critérios padronizados entre esferas federais, estaduais e municipais gera incertezas e aumenta a exposição a litígios e judicializações.
Além disso, a falta de uma estratégia nacional robusta e integrada para o hidrogênio verde, hoje uma das principais apostas globais para descarbonização de indústrias intensivas, demonstra uma lacuna crítica de coordenação institucional. O Brasil precisa de metas claras, estímulos regulatórios e incentivos à inovação para não perder espaço nesse mercado emergente.
Oportunidades globais a serem capturadas
Vivemos um momento de inflexão, no qual as dinâmicas globais da energia estão abrindo novas rotas de crescimento, cooperação e influência.
Para o Brasil, esse contexto representa não apenas uma chance de inserção comercial, mas de liderança estratégica na redefinição dos fluxos energéticos internacionais.
As transformações em curso criam um campo fértil para países com matriz limpa, capacidade produtiva e credibilidade internacional.
Cabe a nós, enquanto nação, decidir se seremos expectadores ou protagonistas desse novo capítulo. Entre os principais vetores de oportunidade, destaco:
O crescimento exponencial da demanda por energias limpas, impulsionado por acordos internacionais de descarbonização, exigências regulatórias cada vez mais rigorosas e a incorporação definitiva dos critérios ESG por parte de investidores e grandes corporações. Esse movimento amplia a busca por fornecedores confiáveis e sustentáveis.
A reconfiguração das cadeias globais de valor e o avanço da industrialização verde criam espaço para a relocalização de unidades produtivas, especialmente em países com energia renovável em abundância. O Brasil pode se beneficiar com a atração de fábricas de baterias, insumos industriais de baixo carbono e centros de inovação tecnológica.
A expansão de projetos estratégicos como hidrogênio verde, eólica offshore e armazenamento de energia está em ascensão. Essas frentes representam não apenas diversificação tecnológica, mas também oportunidades de longo prazo para geração de empregos qualificados, desenvolvimento de novos mercados e incremento da pauta exportadora.
A possibilidade concreta de o Brasil se consolidar como fornecedor estratégico de energia limpa para regiões como Europa, Estados Unidos e Ásia-Pacífico. Esses mercados estão acelerando políticas de transição energética e buscam parceiros confiáveis para contratos de longo prazo e segurança de suprimento.
A materialização dessas oportunidades depende, contudo, de posicionamento proativo, estratégia integrada e capacidade de articulação público-privada. É hora de transformar potencial em protagonismo.
Recomendações para um protagonismo sustentável
Diante do redesenho do cenário energético global, não basta ao Brasil contar com seus recursos naturais: é imprescindível estruturar uma base institucional, regulatória e estratégica capaz de sustentar seu protagonismo.
A consolidação de uma liderança verde exige decisões orientadas por visão de longo prazo e ações concretas em múltiplas frentes. Com base na minha atuação prática junto a empresas, governos e organismos multilaterais, apresento quatro eixos prioritários que devem orientar a próxima fase da política energética brasileira:
Estabelecer um marco regulatório robusto, transparente e estável: A previsibilidade das regras é condição essencial para atrair investimentos de longo prazo. Um ambiente regulatório moderno, que valorize inovação e garanta segurança jurídica, será determinante para a expansão de novas tecnologias como hidrogênio verde, armazenamento e eólica offshore.
Investir em infraestrutura energética integrada: A competitividade do setor depende da eficiência logística e da capacidade de escoamento. São urgentes os aportes em redes de transmissão, modernização portuária e criação de corredores verdes de exportação, interligando polos de geração a centros de consumo e rotas comerciais internacionais.
Criar instrumentos financeiros eficazes para mobilizar o capital privado: Políticas públicas devem funcionar como catalisadoras de investimentos. Fundos garantidores, incentivos fiscais, e parcerias público-privadas são ferramentas indispensáveis para reduzir riscos e acelerar a bancabilidade dos projetos.
Articular uma diplomacia energética estratégica e ativa: A inserção internacional do Brasil exige presença em fóruns multilaterais, liderança em consórcios climáticos e acordos bilaterais que consolidem o país como fornecedor confiável de energia limpa. A política externa precisa refletir a ambição de protagonismo verde.
O Brasil como arquiteto da nova ordem energética
O novo mapa global da energia não será traçado apenas com base no potencial natural de cada país, mas com a capacidade concreta de transformar recursos em liderança, visão em política pública e vocação em resultado. O Brasil possui ativos únicos: abundância de renováveis, expertise técnica, diversidade industrial e uma posição geoestratégica privilegiada. No entanto, esses atributos precisam ser orquestrados com intencionalidade e disciplina institucional.
Como especialista envolvida na estruturação de projetos, atração de investimentos e articulação internacional, afirmo com convicção: o protagonismo energético não é uma condição natural, é uma conquista estratégica. E isso exige mais do que planejamento, exige execução, governança e narrativa global coerente.
Estamos diante de uma encruzilhada histórica. Se o Brasil quiser ocupar um papel de liderança sustentável na nova economia de baixo carbono, precisa agir com ambição, coragem e consistência. O tempo para preparar o futuro não é amanhã é agora.
Sobre a autora
Laís Víctor é especialista em energias renováveis e diretora executiva de parcerias, com 14 anos de atuação no setor de energia. Sua atuação inclui o desenvolvimento de negócios, estruturação de alianças estratégicas e apoio à atração de investimentos para projetos de transição energética, com foco na construção de ecossistemas sustentáveis e inovação no mercado global de renováveis.
Fontes de referência
• International Energy Agency (IEA). Navegador de Dados de Estatísticas de Energia – Ferramentas de Dados. Paris: IEA, 2023.• BloombergNEF. Investimento global em energia limpa salta 17% e atinge US$ 1,8 trilhão em 2023. Serviço Bloomberg Professional, 2024.• Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA). Perspectiva das Transições Energéticas Mundiais 2024: Caminho de 1,5°C. Abu Dhabi: IRENA, 2024.• IPCC. AR6 Synthesis Report: Climate Change 2023 – Longer Report. Intergovernmental Panel on Climate Change, 2023.• REN21. Capacidade recorde de energias renováveis fica aquém da meta global, Reuters, 2024.• Deloitte. Perspectivas do Setor de Energia Renovável para 2025. Deloitte Insights, 2024.• International Energy Agency (IEA).
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