Estações de recarga de veículos elétricos: é um bom negócio?
- Energy Channel United States

- 20 de out.
- 7 min de leitura
Por Laís Víctor – Especialista em energias renováveis e Diretora executiva

A nova fronteira da eletrificação no Brasil
A mobilidade elétrica saiu do campo das promessas e entrou no mapa da infraestrutura brasileira. A queda do custo das baterias, a pressão por descarbonização e a chegada de novos modelos aceleraram a curva de adoção e abriram uma janela rara de oportunidades para o setor de energia.
Essa transformação, embora ainda incipiente frente a países desenvolvidos, já começa a redesenhar o mapa da infraestrutura urbana e abrir novas oportunidades de negócio no setor elétrico.
Entretanto, o entusiasmo com a eletrificação traz uma pergunta inevitável: instalar estações de recarga é realmente um bom negócio? Por trás das inaugurações e dos corredores elétricos em expansão, existe um mercado em formação que ainda busca equilíbrio entre demanda, custo e retorno. A rentabilidade direta continua modesta, mas a relevância estratégica cresce rapidamente; afinal, quem dominar a infraestrutura de recarga ocupará uma posição-chave no ecossistema energético da próxima década.
Mais do que pontos de abastecimento, as estações de recarga representam um elo entre energia, mobilidade e tecnologia, reunindo integradores, distribuidoras e investidores em busca de protagonismo na transição energética. O desafio está em alinhar visão de longo prazo com um mercado ainda em consolidação tarifas elevadas, regulação em evolução e um público que começa a se adaptar à nova lógica da mobilidade sustentável.
Ainda assim, o horizonte é promissor. Com políticas públicas em curso, redução gradual dos custos e integração crescente com geração solar e armazenamento, o setor de recarga tende a se tornar um dos vetores mais dinâmicos da eletrificação nacional. A questão já não é mais “se” esse mercado vai crescer mas “quem” estará preparado para liderá-lo.
Crescimento acelerado, rentabilidade incerta
O mercado de veículos elétricos no Brasil avança em um ritmo que há poucos anos pareceria improvável. Segundo dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), o país ultrapassou 250 mil unidades eletrificadas em circulação em 2025, somando modelos 100% elétricos e híbridos plug-in.
O crescimento é expressivo, considerando que há apenas cinco anos o total de veículos dessa categoria não passava de 50 mil. Ainda que a frota eletrificada represente menos de 1% dos 46 milhões de automóveis leves em circulação, o movimento é claramente exponencial e o país começa a sentir os primeiros efeitos dessa nova fase da mobilidade.
Essa curva ascendente é resultado de uma combinação de fatores. De um lado, incentivos fiscais e linhas de financiamento verdes têm tornado o investimento mais atrativo, especialmente para frotas corporativas e locadoras. De outro, as metas de descarbonização de grandes empresas impulsionadas por políticas ESG e compromissos climáticos estão acelerando a substituição gradual de veículos a combustão por modelos elétricos e híbridos.
Mas talvez o principal motor dessa virada esteja na presença crescente de montadoras chinesas e asiáticas, que vêm democratizando o acesso ao carro elétrico. Marcas como BYD, GWM e Chery ampliaram significativamente sua produção e oferta no Brasil, trazendo modelos com autonomia acima de 300 km e preços até 40% menores do que os praticados há apenas três anos. Essa combinação de custo competitivo, desempenho e inovação tecnológica está mudando a percepção do consumidor e colocando o país em uma nova rota de eletrificação.
No entanto, esse avanço acelerado da frota não tem sido acompanhado, na mesma velocidade, pela expansão da infraestrutura de recarga. O Brasil conta hoje com aproximadamente 4.500 pontos públicos de recarga, distribuídos de forma desigual e concentrados nas regiões Sul e Sudeste justamente onde está a maior parte da renda e da frota elétrica. Estados como São Paulo, Paraná e Santa Catarina puxam a frente, enquanto Norte e Nordeste ainda carecem de investimentos estruturantes.
O contraste com o cenário internacional é nítido: em países europeus como Holanda, Alemanha e Noruega, há entre uma e duas estações públicas para cada dez veículos elétricos. No Brasil, essa proporção ultrapassa um ponto para cada cinquenta veículos uma defasagem que mostra que o desafio da infraestrutura é tão grande quanto o da adoção.
E o motivo é simples: a viabilidade econômica das estações de recarga ainda é o principal obstáculo. A implantação de um eletroposto rápido (DC) exige investimentos que podem ultrapassar R$ 400 mil por unidade, considerando equipamentos, obras civis, demanda contratada e custos operacionais. O uso, porém, é intermitente, e o volume de recargas ainda não garante retorno consistente. Em muitos casos, a ocupação média das estações públicas não passa de 30% da capacidade instalada, tornando difícil alcançar equilíbrio financeiro.
Com isso, operar um ponto de recarga hoje diz menos sobre lucro e mais sobre estratégia de presença. As empresas que investem nesse segmento o fazem com foco em posicionamento de marca, fidelização de clientes e compromisso ambiental. É o caso de redes varejistas, montadoras e incorporadoras que enxergam nas estações uma plataforma de relacionamento e não apenas um ativo elétrico.
Com isso, o Brasil está avançando rapidamente na eletrificação de sua frota, mas ainda precisa resolver o descompasso entre o número de veículos e a infraestrutura disponível. O país vive um momento de transição em que o crescimento do mercado se sustenta mais pelo entusiasmo e pela visão de futuro do que por rentabilidade imediata.
E talvez esse seja o ponto mais revelador: o negócio da recarga ainda não é rentável, mas já é inevitável.Quem compreender isso, e decidir entrar agora, estará menos preocupado com o retorno de hoje e mais comprometido em construir o mercado que virá amanhã.
De onde vem o lucro (e para quem ele vai)
O negócio de recarga se molda em torno de novos ecossistemas de valor. Três modelos principais se destacam:
Infraestrutura própria de montadoras e locadoras, como BYD, Volvo e Localiza, que investem para atrair clientes e fortalecer suas marcas, sem foco direto em lucro operacional.
Operadores independentes, como EZVolt, Voltbras e Raízen Power, que atuam com shoppings e redes de varejo, combinando cobrança por recarga, publicidade e programas de fidelização.
Recarga corporativa e condominial, voltada a frotas e residências, com retorno mais previsível e payback entre três e seis anos, dependendo do perfil de consumo e do uso de geração distribuída.
As margens ainda são estreitas, mas o valor está na convergência entre energia, dados e serviços. Cada estação é uma porta de entrada para a digitalização da energia conectando veículos, sistemas solares e baterias em uma rede cada vez mais inteligente e descentralizada.
O desafio da regulação e da energia contratada
A regulação é hoje um dos maiores obstáculos e, ao mesmo tempo, uma das maiores oportunidades. A ANEEL ainda enquadra as estações como “serviço de recarga”, e não como comercialização de energia, o que limita a precificação por kWh e restringe a escala do negócio.
O custo da energia também pesa. Estações rápidas demandam alta potência, elevando a demanda contratada e o custo fixo mensal. Para contornar isso, empresas têm adotado contratos no Mercado Livre, aproveitando a abertura gradual para baixa tensão, e integrando geração distribuída para compensar parte do consumo.
O PDE 2035, da EPE, destaca o papel crescente do armazenamento por baterias (BESS) como alternativa para reduzir picos de consumo e otimizar custos estratégia que tende a ganhar força à medida que o preço da tecnologia caia e a regulação evolua.
Até que o marco regulatório se consolide, o setor seguirá nesse trânsito entre inovação e incerteza e é justamente nesse semáforo amarelo que os líderes costumam acelerar.
O papel da infraestrutura pública e das parcerias
A expansão da mobilidade elétrica no Brasil depende da capacidade de colaboração entre o poder público e a iniciativa privada. O Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), lançado em 2024, já prevê estímulos à produção local de veículos elétricos e à instalação de estações de recarga, sinalizando o interesse do governo em acelerar essa infraestrutura.
Estados como São Paulo e Paraná também avançam com linhas de crédito, isenções fiscais e programas regionais de corredores elétricos.
Mas a transformação não virá apenas de incentivos. O verdadeiro salto virá das parcerias inteligentes entre distribuidoras, startups, prefeituras e investidores capazes de conectar energia, dados e mobilidade. Experiências em Curitiba e Fortaleza mostram que a rentabilidade não precisa vir apenas da recarga, mas do ecossistema ao redor dela: da coleta de dados ao engajamento de marca, da publicidade digital aos serviços complementares.
Cada estação, nesse contexto, torna-se um ponto de conexão estratégica não apenas uma infraestrutura elétrica, mas um ativo urbano e digital.
Projeções e o horizonte de oportunidade
De acordo com o PDE 2035, a mobilidade elétrica poderá adicionar 1,5 TWh por ano à demanda nacional de energia até o fim da década o suficiente para abastecer uma cidade de médio porte. Esse crescimento, ainda modesto frente ao consumo total do país, representa um novo vetor de expansão para o setor elétrico brasileiro.
Mais do que um desafio de oferta, é uma oportunidade para integrar geração distribuída, armazenamento e comercialização flexível de energia. A eletrificação dos transportes redefine o papel do consumidor, transformando-o em protagonista da transição energética.
Assim como ocorreu com o setor solar há uma década, o momento atual é de formação de mercado. Quem agir agora construindo presença, firmando parcerias e apostando em inovação ocupará posições privilegiadas quando o setor atingir maturidade.
Mais do que energia, um novo caminho
Investir em estações de recarga hoje é, antes de tudo, uma decisão de posicionamento estratégico. Ainda não se trata de um negócio de margens amplas, mas de visão de longo prazo, voltada à construção de relevância em um mercado que começa a se estruturar. O retorno financeiro virá, sim mas será consequência de quem souber ocupar espaço, construir parcerias e integrar inovação à infraestrutura.
À medida que o país consolide sua regulação, expanda a frota de veículos elétricos e avance na integração entre geração distribuída, armazenamento e digitalização, o setor de recarga deixará de ser uma aposta para se tornar um pilar da nova economia elétrica brasileira.
Em última instância, a recarga não é e talvez nunca tenha sido um fim em si mesma. Ela é o ponto de partida de um ecossistema energético em transformação, onde energia, mobilidade e tecnologia convergem para redefinir o papel do consumidor, do investidor e das cidades.
Quem enxergar esse movimento agora, com clareza e propósito, não estará apenas instalando carregadores estará ajudando a construir a infraestrutura do futuro.
Sobre a autora
Laís Víctor é especialista em energias renováveis e diretora executiva de parcerias, com 14 anos de atuação no setor de energia. Sua atuação inclui o desenvolvimento de negócios, estruturação de alianças estratégicas e apoio à atração de investimentos para projetos de transição energética, com foco na construção de ecossistemas sustentáveis e inovação no mercado global de renováveis.
Estações de recarga de veículos elétricos: é um bom negócio?






























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