PARECER (CN) N° 1 DA MP 1300: ANATOMIA DE UMA REFORMA EVISCERADA PELA CONVENIÊNCIA POLÍTICA
- Energy Channel United States

- 4 de set.
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Por Arthur Oliveira | Artigo de Opinião
A comissão mista da Medida Provisória (MP) 1.300/2025 aprovou nesta quarta-feira (3) o texto, que altera a Tarifa Social de Energia Elétrica para isentar famílias de baixa renda da conta de luz em casos de pouco consumo.

A MP ainda será votada nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado. O relatório é do deputado Fernando Coelho Filho (União-PE), que o apresentou na terça-feira (2), com vista coletiva concedida, e complementou o voto na reunião desta quarta, suprimindo pontos do primeiro relatório. Segundo o relator, "esta MP é muito importante porque vai atender milhões de brasileiros".
O presidente da comissão, senador Eduardo Braga (MDB-AM), ausente em Brasília, delegou a condução dos trabalhos ao vice-presidente, deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), que elogiou o acordo construído no texto final. Contudo, o Parecer (CN) nº 1, de 2025, revela uma reforma ambiciosa que foi metodicamente "desidratada" pela conveniência política, transformando-se em um instrumento de apelo populista imediato, enquanto adia soluções estruturais cruciais. A comissão mista não legislou para o futuro; gerenciou o presente, optando por um caminho de menor resistência e maior ganho político.
O ACERTO TÁTICO: ADIAR O CAOS PARA GANHAR TEMPO
Antes de qualquer crítica, é fundamental reconhecer a notável arquitetura legislativa empregada pela comissão mista para gerir a complexidade da MP 1.300/2025, o que constitui seu principal ponto positivo. A decisão de “desidratar” a Medida Provisória não foi um simples recuo, mas uma manobra tática deliberada para evitar o colapso de uma pauta originalmente extensa e complexa.
O texto inicial, publicado em 21 de maio de 2025, propunha uma reestruturação sistêmica do setor elétrico, alterando oito leis fundamentais, incluindo a Lei nº 9.074/1995 (concessões), a Lei nº 9.427/1996 (ANEEL) e a Lei nº 14.300/2022 (Geração Distribuída). Entre os pontos de maior complexidade, destacam-se a abertura total do mercado livre, que alteraria o Art. 15 da Lei nº 9.074/1995 para permitir que consumidores de baixa tensão escolhessem fornecedores até 1º de dezembro de 2027. Essa medida demandaria uma regulamentação hercúlea pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), incluindo uma campanha educativa de 12 meses, além de ajustes operacionais, contratos e mecanismos de migração que garantissem previsibilidade e segurança ao mercado. Outro ponto crítico era o fim abrupto dos descontos na Tarifa de Uso dos Sistemas de Transmissão e Distribuição (TUST/TUSD) para energia incentivada, implícito no Art. 26 da Lei nº 9.427/1996 a partir de 2026. Essa alteração poderia desencadear um verdadeiro “apagão de investimentos” em fontes renováveis, além de gerar uma onda de judicialização por violação de direitos adquiridos, respaldada por precedentes do Supremo Tribunal Federal (ADIs 4.029 e 6.10). Ambos os temas, devido à sua complexidade, exigiriam regulamentação detalhada, mecanismos de transição e ampla campanha educativa para mitigar riscos jurídicos e proteger os investimentos no setor, o que configura um ponto positivo na condução estratégica da Comissão.
Outro ponto positivo destacado foi a manutenção da separação tarifária e contábil até 1º de julho de 2026, conforme o Art. 4º, § 14 da Lei nº 9.074/1995. Embora essa obrigação possa gerar custos administrativos e desafios de eficiência, ela assegura o equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias de comercialização e distribuição. A comissão preservou essa regra sem alterações específicas, subordinando-a a outras prioridades do parecer e evitando desequilíbrios imediatos enquanto os temas mais complexos foram adiados para a MP 1.304/2025. Na “Complementação de Voto”, Fernando Coelho Filho explicou que certos assuntos “cuja discussão pode ser mais bem aprofundada” deveriam ser tratados na MP 1.304/2025.
Acima de tudo, a comissão, sob a liderança do relator, Deputado Fernando Coelho Filho, executou uma estratégia de esvaziamento precisa, documentada na "Complementação de Voto" (p. 16-17 do parecer). A justificativa apresentada foi a de que certos temas, devido à sua complexidade, precisavam ser movidos para o âmbito da MP 1.304/2025, garantindo uma análise mais aprofundada e técnica. Essa decisão teve consequências imediatas e drásticas no texto:
Primeiramente, houve a rejeição em massa de emendas. Conforme o relatório de mérito (p. 5), todas as 601 emendas oferecidas foram rejeitadas. Essa ação não consistiu em análise individual de mérito, mas em uma decisão política para “limpar a pauta” e evitar que o debate se fragmentasse, o que poderia inviabilizar um acordo consistente.
Em segundo lugar, ocorreu a supressão de artigos inteiros. A "Complementação de Voto" detalha a “cirurgia” realizada no Projeto de Lei de Conversão (PLV): foram retirados o Art. 1º do PLV, que alterava a Lei nº 9.074/1995 (abertura de mercado), e o Art. 3º, que modificava a Lei nº 9.648/1998, além de propostas de alteração na Lei nº 10.848/2004, relativas à flexibilização da contratação regulada.
Ao transferir a responsabilidade desses debates para a futura comissão da MP 1.304/2025 onde a liderança será compartilhada entre o Senador Eduardo Braga (relator) e o Deputado Fernando Coelho Filho (presidente) — a comissão garantiu continuidade da discussão sob comando alinhado, evitando decisões precipitadas. Este recuo tático não apenas preveniu uma aprovação apressada e malfeita, mas também preservou a integridade de uma reforma que, se mantida em sua forma original, certamente colapsaria sob o peso de sua própria complexidade e do prazo exíguo para deliberação.
O ERRO ESTRATÉGICO: A OPÇÃO PELO POPULISMO E SEUS DANOS COLATERAIS
Se a comissão acertou ao adiar, errou gravemente ao priorizar medidas assistencialistas, configurando seu principal PONTO NEGATIVO. O parecer transformou a MP em um veículo de apelo populista, socializando custos de forma perversa e adiando reformas estruturais.
Tarifa social: benefício visível, custo oculto
O carro-chefe do texto aprovado é a profunda alteração na política da Tarifa Social, com modificações diretas em leis estruturantes:
Alteração na Lei nº 12.212/2010 (Art. 5º do PLV): A nova redação do Art. 1º da lei concede isenção de 100% na tarifa para o consumo de até 80 kWh/mês para famílias de baixa renda. O mesmo artigo estabelece que, acima dessa faixa, o desconto será de 0%, eliminando a antiga progressividade. O § 4º do Art. 2º estende este benefício integral a famílias indígenas e quilombolas.
Alteração na Lei nº 10.438/2002 (Art. 2º do PLV): O novo § 3º-I do Art. 13 cria outra camada de benefício: a partir de 2026, famílias com renda entre meio e um salário mínimo terão isenção total do pagamento da quota da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para consumo de até 120 kWh/mês.
O discurso é socialmente poderoso, mas a matemática, quando exposta, é cruel. O impacto líquido total dessas medidas na CDE é um aumento de custo estimado entre R$ 4,5 bilhões e R$ 5,5 bilhões por ano. Este valor é a soma do subsídio adicional para zerar a conta de 80 kWh com a receita que a CDE deixará de arrecadar da outra faixa de beneficiários.
O parecer do relator, na página 27, tenta justificar essa despesa com uma manobra contábil, afirmando que a arrecadação extraordinária de R$ 6 bilhões com a repactuação do UBP e o "risco fiscal evitado" de R$ 20 bilhões "compensam e justificam renúncia fiscal". Isso é perigosamente enganoso. Uma receita única (UBP) não pode, sob nenhuma ótica de gestão responsável, justificar uma despesa anual e permanente de mais de R$ 5 bilhões. O resultado inevitável é um déficit estrutural na CDE que será pago por todos os outros consumidores – classe média e setor produtivo – através de aumentos tarifários nos anos vindouros.
Repactuação do UBP: benefício temporário, viés populista
O parecer introduz, no Art. 7º do PLV, a repactuação do Uso do Bem Público (UBP) para usinas hidrelétricas, com uma arrecadação estimada em R$ 6 bilhões para a CDE. No entanto, o § 8º do mesmo artigo direciona esses recursos "exclusivamente para fins da modicidade tarifária, para os anos de 2025 e 2026, dos consumidores do ambiente regulado situados nas regiões abrangidas pela SUDAM e SUDENE". Embora pareça meritório, o ato tem um viés populista e regionalista, utilizando um recurso extraordinário para um alívio tarifário temporário e localizado, em vez de endereçar problemas estruturais da CDE.
Rateio de custos de Angra: ônus nacional, benefício regional
A comissão manteve a redação do Art. 11-A da Lei nº 12.111/2009, que determina o rateio dos custos de Angra 1 e 2 entre todos os usuários do SIN (exceto baixa renda). A energia firme gerada pelas usinas nucleares é crucial para a estabilidade do subsistema Sudeste, beneficiando diretamente o Rio de Janeiro. No entanto, o custo dessa estabilidade será pago por consumidores de todo o Brasil, incluindo regiões que não usufruem da mesma forma dessa segurança energética. Trata-se de uma socialização de custos que ignora o princípio da isonomia e da justa alocação de encargos.
Em suma, ao alterar a Lei nº 12.111/2009, o parecer mantém o rateio dos custos de Angra 1 e 2 entre todos os usuários do SIN, com a única exceção da baixa renda. A medida impõe um ônus nacional para garantir a segurança energética de uma região específica, violando a isonomia tarifária.
Geração Distribuída: Ponto Negativo
A ausência de qualquer menção à sustentabilidade da Geração Distribuída (GD) no parecer é um PONTO NEGATIVO flagrante. A Lei nº 14.300/2022 estabeleceu um marco, mas deixou pontas soltas sobre a alocação de custos de rede. Ao se omitir, a comissão perdeu a chance de promover um modelo de GD autossustentável, mantendo a incerteza e a dependência de subsídios que, no fim, também recaem sobre a CDE e oneram todos os consumidores.
Riscos hidrológicos
No Parecer da MP 1.300/2025, o risco hidrológico é tratado no Art. 6º do PLV, alterando a Lei nº 13.203/2015. O mecanismo proposto prevê a liquidação de passivos do MRE (Generation Scaling Factor) via leilão centralizado pela CCEE, em que geradores ofertam títulos representando créditos não pagos na liquidação financeira do mercado de curto prazo. O pagamento ocorre por extensão da outorga das usinas por até sete anos, condicionado à desistência judicial e renúncia de direitos futuros.
Críticas técnicas:
Transparência insuficiente: avaliação do valor da outorga estendida é complexa e opaca, podendo gerar benefício excessivo a geradores.
Socialização de risco privado: custos originalmente assumidos por geradores passam a ser indireta e parcialmente suportados pela sociedade.
Custo de oportunidade: a extensão de outorgas impede arrecadação potencial de novas licitações, impactando tarifas e aumentando o encargo sobre consumidores.
Em resumo, o mecanismo busca resolver passivos judiciais bilionários, mas pode gerar benefícios desproporcionais a grandes agentes e reduzir a arrecadação futura do setor.
CONCLUSÃO: UMA REFORMA ADIADA, UMA CONTA ANTECIPADA
O Parecer (CN) nº 1, de 2025, reflete uma escolha política: priorizar impacto imediato em detrimento da modernização setorial. Adiar temas complexos foi prudente, mas o foco em políticas assistencialistas como Tarifa Social (R$ 5 bi) e repactuação do UBP (R$ 6 bi) cria distorções tarifárias e regionais, com custos anuais estimados em R$ 11 bilhões. A rejeição de emendas e a omissão sobre GD, riscos hidrológicos e autoprodução evidenciam uma reforma eviscerada, deixando para trás livre concorrência e eficiência (art. 170, IV e IX da CF/88).
A conta será paga nas tarifas dos brasileiros e na perda de competitividade do país. A verdadeira reforma, que promova sustentabilidade e equidade, foi adiada para a MP 1.304/2025, mas sem garantias de execução. A MP 1.300/2025 foi desfigurada pela conveniência política; resta torcer que o Congresso, ao votar o PLV, resgate seu potencial transformador, incorporando soluções como MIGRH e flexibilização da autoprodução.
PARECER (CN) N° 1 DA MP 1300: ANATOMIA DE UMA REFORMA EVISCERADA PELA CONVENIÊNCIA POLÍTICA






























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